quarta-feira, 7 de agosto de 2019

A criação de cardápios e técnicas para empratar

Existe um momento de nossa profissão que percebemos a naturalidade com que utilizamos as técnicas básicas da gastronomia, encontrando assim maior facilidade em nosso ofício, e começamos a nos aventurar na criação de cardápios e de pratos.

Este é um especial em 4 partes que vai abordar o processo criativo da montagem de pratos e cardápios a partir da ótica do design, da composição do desejo do comensal. Vamos apresentar tudo que se relaciona às principais técnicas, entendendo que isto é uma arte, portanto, em constante processo evolutivo.

Adequar métodos de cocção e cortes clássicos, levando em consideração as características do alimento (tais como atividade de água ou excesso de fibras), nos permite aproveitar com excelência as características do insumo (transformando os aspectos não favoráveis, e destacando qualidades  sensoriais).

Criação a partir da memória gustativa

Outra característica marcante deste novo ciclo é a capacidade de criação baseada na memória gustativa. Em outras palavras, o profissional adquire a capacidade de lembrar nitidamente de sabores, aromas, texturas e cores dos alimentos, mediante suas transformações – sob a ação (ou não) do calor ou acidez- sem mesmo estar diante dele.

Estas habilidades permitem que o cozinheiro ou cozinheira consiga conceber combinações e analisar as suas harmonias antes mesmo de começar a cozinhar.

Tais capacidades lhes permitem serem mais assertivos ao conceber um cardápio e passarem para a fase de laboratório (testes), aproveitando melhor os insumos com mínimas perdas.

A simplicidade genial de um ratatouille

Contando uma história com seus pratos

Então, receitas incríveis são criadas numa mistura de cores, aromas, texturas e sabores. Mas isso não é tudo. Em um menu degustação, por exemplo,  o curso de pratos conta uma história para quem degusta.

Mas a história seria incompleta se não fosse dada a devida atenção à forma como o alimento chega à mesa.  Esta é a importância do domínio das técnicas de apresentação dos pratos, ou como alguns profissionais chamam, técnicas para o empratamento.

O conceito, ou mesmo a palavra empratamento é muito novo, tanto que você não encontrará referência a ela em alguns dicionários. Como não temos definições claras, o ideal é buscar a origem de como estes conceitos dão forma à técnica.

Carne assada ao molho madeira e purê de baroa

A Nouvelle Cusine

O berço da gastronomia moderna começou com a nouvelle cusine do mestre Paul Bocuse no início da década de 70. Esta nova era abriu caminho para um grande influxo das técnicas, processos culinários e padrões estéticos japoneses na cozinha francesa.

Há relevância do frescor dos ingredientes, simplicidade das técnicas de cozimento e preservação dos sabores naturais – normas que constituem o fundamento da cozinha japonesa.

A influência dos padrões estéticos japoneses

A preocupação com a sazonalidade dos insumos, a simplicidade das técnicas de cozimento e preservação dos sabores naturais, a utilização de cores e texturas – normas que constituem o fundamento da cozinha japonesa – converteram-se em cânones da gastronomia ocidental.

Na década seguinte, a transformação do olhar sobre a gastronomia se intensificou ao surgir um movimento de aproximação científica à gastronomia, através de cientistas como Nicholas Kurti, Harold McGee e Hervé This.

A gastronomia molecular

Esse movimento, denominado Molecular Física e Gastronomia (nome dado por Kurti em 1988, e rebatizado de Gastronomia Molecular por Hervé This em 1998), iniciou o estudo dos processos químicos e físicos presentes na cozinha.

Entender as reações físicas e químicas dos alimentos permitiu que os cozinheiros olhassem para o prato com maior cuidado na sua forma, textura e cores.

Neste momento, novas técnicas foram desenvolvidas, fornos e fogões começaram a dividir espaço com termocirculadores e máquinas á vácuo nas cozinhas profissionais.

Técnicas de gelatinização, esferificação, construção de espumas e ares, texturização de lipídios, colagem de proteínas (baseadas no uso de novos ingredientes) inundaram o mercado gastronômico de novidades, assim como polêmicas e incertezas sobre o futuro da gastronomia profissional. Mas uma coisa era certa. Nada seria como antes.

Aliado a este novo olhar sobre o prato, cozinheiros entenderam que somente através de experiências que ultrapassassem as barreiras de uma cozinha, seria possível criar novos formatos para as tradicionais apresentações de sua comida.

Hoje a cozinha molecular perdeu força, mas deixou legados importantes para a gastronomia profissional.

Apesar de poucos restaurantes ainda se especializarem no tema, técnicas, equipamentos e utensílios desta nova era podem ser facilmente encontrados em praticamente todos os grandes restaurantes do mundo, comprovando que os avanços intelectuais e práticos alcançados através deste movimento estarão sempre presentes.

A influência das artes plásticas

As artes plásticas são representações concebidas através de pinturas, esculturas e  outras formas de representação visual em que são explicitados sentimentos através de materiais diversos, bem como técnicas que podem se inovar a cada momento.

Assim entram em cena as artes, nas suas mais diversas formas. E através de livros, filmes e músicas, cozinheiros buscaram inspirações. Mas foi nas artes plásticas que tudo ficou mais evidente.

Do latim ars, a arte diz respeito às criações do ser humano que procuram expressar uma visão sensível do mundo real ou imaginário.

E, dificilmente, você irá encontrar tal arte sem a manipulação de cores. A cor é uma percepção visual provocada pela ação de um feixe de fótons sobre células especializadas da retina, que transmitem, através de informação pré-processada no nervo óptico, impressões para o sistema nervoso.

Possibilidades estéticas com goma xantana e Ágar Ágar

O uso das cores

Entender o poder destas impressões é fundamental para a excelência deste processo que mistura formas e cores para criar prazer ao comensal, antes mesmo de levar a comida à boca.

As cores primárias, também conhecidas como as “cores puras” (azul, amarelo e vermelho), são originárias de pigmentos naturais (vegetal e mineral). Contudo, cozinheiros têm a sorte de encontrar alimentos com uma gama de cores bem maiores, permitindo composições maravilhosas de cores e sabores!

Em um estudo relatado no livro “A Psicologia das Cores – Como as cores afetam a emoção e a razão”, de Eva Heller, foram consultadas 2000 pessoas com idades entre 14 e 97 anos na Alemanha, mostrando os efeitos das cores no psicológico do ser humano.

Podemos encontrar alimentos com uma gama de cores enorme

O resultado das pesquisas mostrou que não existe cor sem significado, e ela sempre vai estar relacionada a um sentimento ou qualidade, dependendo de seu contexto.

O estudo demonstrou que as mesmas cores estão sempre associadas a sentimentos. Estudos como este, por exemplo, são amplamente utilizados pela indústria de alimentos no desenvolvimento de marcas, rótulos e até mesmo no desenvolvimento de alguns alimentos.

Segundo o estudo de Heller, a combinação das cores vermelha e amarela, possui a capacidade de despertar a fome! Pensando nestas cores, alguma marca lhe vem à cabeça? Pesquise mais sobre o assunto, esta relação irá mudar certos conceitos do seu estabelecimento, cardápio ou até mesmo da sua vida pessoal.

Batata e cebola assada – uma simples técnica bem desenvolvida cria um novo aspecto para o usual

Pontos  que devem sempre ser lembrados no desenvolvimento de um prato:

  1. A apresentação não deve nunca ser mais importante que o sabor de um prato. A harmonia entre a apresentação e sabores é essencial. É melhor um prato feio, porém com um sabor incrível, do que um prato lindo com um sabor horrível!
  2. Jamais diminua a quantidade de alimento em um prato para favorecer sua aparência. Caso queria ser minimalista, opte por um menu degustação, em uma sequência de pratos que irá perfazer a quantidade ideal de uma refeição, ou pense em louças maiores que permitam você trabalhar com os chamados “espaços negativos”, que nada mais são do que os espaços não preenchidos do prato (que tendem a valorizar e organizar ainda mais os ingredientes).
  3. Quanto maior a complexidade da montagem de um prato, maior será a chance de você entregar um prato fora da temperatura proposta. A operação precisa ser pensada junto com a proposta de empratamento.
  4. Tudo que está no prato deve ser comestível e harmonioso com o restante dos ingredientes. O comensal não tem obrigação alguma de conhecer os ingredientes. Então nada de pimentas inteiras ou galhos de ervas aromáticas. Ele está ali para comer o que você propôs. O profissional é você.

Nas próximas semanas, vamos apresentar outros elementos que compõem o processo moderno do empratamento e a criação dos conceitos.


Por Gustavo Guterman

Fotos Gustavo Guterman

*Gustavo Guterman é Pós Graduado em Gestão em Segurança dos Alimentos pelo SENAC SP, Graduado em Gastronomia no centro de formação internacional Alain Ducasse Formation, Técnico em Cozinha pelo SENAC RJ. Experiência no mercado profissional, em cozinhas nacionais e internacionais, atuando como cozinheiro e chefe de cozinha em renomados estabelecimentos do segmento de alimentação e bebidas. Atualmente atua como coordenador de Gastronomia do Instituto Federal Fluminense. Professor nos cursos de Gastronomia e Hotelaria na citada instituição, exercendo consultorias e palestras na área. É também autor do blog (e página) Guterman Gastronomia, que tem por objetivo a divulgação de ideias, artigos e noticias sobre o mundo da gastronomia.
https://gutermangastronomia.wordpress.com
https://www.facebook.com/pg/gutermangastronomia/

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