terça-feira, 20 de agosto de 2019

Uso das cores na montagem do prato

Sempre considere a cor como uma parte importante do seu trabalho. Entender a relação das cores na montagem do prato pode garantir um grande destaque no resultado final.

Imagine um prato branco com um linguado ao molho branco, servido com batatas cozidas e couve-flor no vapor. Sem dúvida, se bem preparado, terá um bom sabor, porém, sua apresentação será monótona (em textura, altura e cor).

E tal monotonia irá ser traduzida em provável frustração do cliente.  Para composição de um prato, é necessário um conhecimento mínimo sobre a relação das cores entre si. Saber quais são as cores complementares (aquelas que ocupam lugares opostos no círculo cromático) pode ser de extrema valia para este processo.

Uma das maiores dificuldades na composição de cores de um prato está no fato do cozinheiro ter que trabalhar com uma ficha técnica pronta, com ingredientes já estabelecidos para preparação.

Para estas situações, é possível abusar das cores de flores comestíveis, erva aromáticas (sempre com a preocupação nas alterações de sabores que cada mudança pode gerar) e o aprofundamento nas técnicas básicas de molhos, variados métodos de cocção e cortes clássicos, para que aquele prato saia do lugar comum e ganhe seu merecido destaque.

Para aqueles que têm a sorte de estar no processo de criação, com a possibilidade de ainda estar juntando os elementos para composição do seu cardápio, o céu é o limite! Ainda baseado nas habilidades básicas da cozinha profissional com uma atenção especial ao garde manger, as combinações de texturas, cores, alturas, aromas e sabores é infinita!

Uma última dica antes de começarmos. Se for possível, tenha atenção à iluminação do seu restaurante. Entenda que toda essa preocupação estética (que faz parte do processo que promove prazer ao comensal, provocando todos os sentidos humanos), pode ir por água abaixo se, ao chegar na mesa, o prato não causar a impressão visual que tinha ao sair da cozinha.

Não estou dizendo para que o salão seja fortemente iluminado, mas uma luz à mesa, de forma cuidadosa, pode fazer toda a diferença. Então, ao conceber seu empratado, leve-o à mesa e veja como ele funciona aos olhos do cliente. Somente assim, você saberá se o seu trabalho estará sendo apreciado da forma correta.

Cuidados com a iluminação

A iluminação tem relação direta com a permanência do seu cliente no restaurante. Assim, é de suma importância que você entenda essa relação, além de pensar em como seu prato chega à mesa. Vamos pensar nas temperaturas (cores) das lâmpadas.

As lâmpadas de cores frias brancas remetem ao início do dia, momento em que estamos despertando. Normalmente nesta hora, a luz branca inibe a produção da melatonina (hormônio que tem como uma das funções, a regulagem do nosso sono).

Sabendo disso, restaurantes que lucram pela rotatividade dos clientes e não pela sua permanência, fazem uso abusivo de luzes brancas, cores fortes, cadeiras plásticas sem muito conforto. Tudo para lhe obrigar a entrar, comprar e sair.

Já restaurantes que querem estimular a permanência, fazem uso da mesma técnica, mas como objetivos opostos.

A luz amarela (normalmente mais fraca, ou pontualmente iluminando a mesa, evitando os olhos) remete nosso cérebro ao por do sol, momento em que o organismo entende que estamos chegando ao final do dia. Esta luz proporciona justamente o conforto e, aliado à cadeiras confortáveis,  estimula a permanência no ambiente, aumentando assim o consumo.

Alguns hotéis, por exemplo, proporcionam estes dois ambientes mesmo sem ter chegado o final do dia. No café da manhã (normalmente oferecido na diária) as cortinas estão abertas, às vezes auxiliadas por luzes brancas. Já no almoço (agora custeado pelo hóspede) as cortinas se fecham, deixando um tom amarelado no salão, e uma música calma completa o ambiente.

Agora acredito que tenha ficado claro a importância de um consultor gastronômico no planejamento do seu negócio, não é? Somente um cozinheiro tem a percepção de pensar nestes detalhes. Pense nisso.

A percepção e o uso das cores

O pensamento sobre a importância das cores é algo antigo. O filósofo grego Aristóteles começou estes estudos ainda na Grécia Antiga, deixando alguns escritos. Leonardo da Vinci, precedido por estudos de Aristóteles, reuniu anotações no século XV que culminaram no “Tratado da Pintura e da Paisagem”, tornando-se um estudioso importante na percepção e uso das cores nas artes.

Um século depois de Leonardo, um jovem inglês de 23 anos retomou os antigos estudos do tema.  Foi em uma feira de ciências de sua cidade natal que o rapaz, ao comprar um peso para papel (no formato de um pequeno prisma de vidro), encantou-se pelo tema.

As teoria das cores

O jovem Isaac Newton teve sua atenção atraída ao colocar um papel no caminho da luz que emergia do prisma. Ele obsevou as sete cores do espectro, em raios sucessivos: vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Este fato desencadeou uma apaixonada vida de estudos sobre o tema.  Sim, a capa de um dos discos mais importantes do rock progressivo da história é inspirada na descoberta de Newton (The Dark Side Of The Moon- Pink Floyd).

The Dark Side Of The Moon- Pink Floyd

Mas foi no século XIX que o escritor e cientista alemão Johann Goethe publicou um dos livros mais importante do tema intitulado “Teoria das Cores”.  Nele é apresentado círculo cromático (apresentado abaixo), uma representação simplificada das cores percebidas pelo olho humano, desenvolvida por Newton. Esta representação foi de extrema importância para os estudos das cores até os dias de hoje.

Círculo cromático relaciona cores complementares e análogas

Cores complementares e análogas

Podemos observar que é possível relacionar as cores de duas formas muito distintas.
A primeira delas são as cores complementares. Estas são encontradas nas extremidades opostas, como o verde e o vermelho. Estas cores são as de maior contraste entre si de todo círculo (e têm por objetivo provocar o observador), justamente o que buscamos na montagem de um prato.

Repare o contraste com o uso de combinação das cores complementares vermelha e verde

Já as cores vizinhas no são chamadas de análogas e não apresentam contraste algum entre si. Elas são constituídas de uma base cromática comum. Estas podem ser utilizadas para efeito de escala (ou dégradé), e rementem a uma certa calma e organização.

Composição com predominância das cores análogas, com a quebra de uma cor complementar

Cuidados no uso de cores ao empratar

Por isso é importante, ao empratar, não utilizar somente as cores análogas, e sim mesclar as complementares.  Talvez um dos grandes mestres na utilização das cores análogas seja o espetacular pintor holandês do século XIX, Vincent van Gogh.

Em quadros como O Terraço do Café na Praça do Fórum e Noite estrelada sobre Ródano, podemos observar uma utilização brilhante das cores análogas, aplicadas de forma magistral para provocar sensações de paz e distribuir de forma gentil a luz sobre a cena.

O Terraço do Café na Praça do Fórum – Vincent van Gogh

Outro conceito a ser lembrando na hora de distribuir os ingredientes de diferentes cores no prato é lembrar que cores escuras absorvem a luz, enquanto cores claras a refletem.

Como uma louça translúcida pode dar destaque às cores naturais dos alimentos

Novamente, o contraste acaba sendo uma boa saída! Os pigmentos naturais são um grupo de substâncias com estrutura, propriedades químicas e físicas diferentes que dão cor aos alimentos. Por isso, as cores dos ingredientes de um prato conseguem passar para o comensal a certeza de sabores e valores nutricionais antes mesmo da degustação propriamente dita. Aproveite isso a seu favor!

As tonalidades naturais dos alimentos
As técnicas de cocção alteram as cores e sabores dos alimentos

A necessidade do profundo conhecimento de ingredientes e seus produtores torna-se cada vez mais importante para uma maior amplitude técnica.

Cozinheiros e cozinheiras precisam entender que a gastronomia deve romper as barreiras da cozinha. É necessário que provocações artísticas externas à gastronomia (como pinturas, esculturas, filmes… ) façam parte da vida do profissional, para sua formação gastronômica e cidadã, proporcionando melhorias significativas na sua capacidade intelectual e no repertório para seu processo criativo.

Lembre-se que a escolha da louça é essencial para que o trabalho com as cores do alimento funcione. As relações de contraste são importantes para criar protagonismo dos ingredientes entre si e em relação ao recipiente utilizado.

O prato está para o cozinheiro assim como a tela está para os grandes pintores. Grandes artistas plásticos se valeram destes estudos para criarem obras incríveis.

Hoje, nós cozinheiros nos inspiramos principalmente no círculo cromático para guiarmos as concepções de nossos pratos. E não se assuste com tanta informação. A ideia aqui não é utilizar todos os conceitos ao mesmo tempo no mesmo prato. Isso seria impossível.

A percepção destas técnicas terá utilidade durante uma vida inteira de experiência profissional, onde você terá oportunidade de usufruir destes conhecimentos da mais variadas formas!

 


Por Gustavo Guterman

Fotos Gustavo Guterman

*Gustavo Guterman é Pós Graduado em Gestão em Segurança dos Alimentos pelo SENAC SP, Graduado em Gastronomia no centro de formação internacional Alain Ducasse Formation, Técnico em Cozinha pelo SENAC RJ. Experiência no mercado profissional, em cozinhas nacionais e internacionais, atuando como cozinheiro e chefe de cozinha em renomados estabelecimentos do segmento de alimentação e bebidas. Atualmente atua como coordenador de Gastronomia do Instituto Federal Fluminense. Professor nos cursos de Gastronomia e Hotelaria na citada instituição, exercendo consultorias e palestras na área. É também autor do blog (e página) Guterman Gastronomia, que tem por objetivo a divulgação de ideias, artigos e noticias sobre o mundo da gastronomia.
https://gutermangastronomia.wordpress.com
https://www.facebook.com/pg/gutermangastronomia/

 

 

 

 

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